24 de out. de 2007

sentimento

Sente aqui dentro
o medo dessa felicidade.
Sente o que
meu coração quer dizer.
Sentado quieto preciso
ficar para tudo
sentir sem medo.

Sente os olhos
cansados de tanto acreditar
em ser
pra sempre
junto.

Sente agora
o agora
que chega de surpresa
e faz sentir
aquilo que você sempre gostou.

Não sente medo
só sentimento.

9 de out. de 2007

um branco sujo

Acordei pensando na morte. Da bezerra, do meu tempo, das pessoas próximas. Quando o dia acorda cinza, esse pensamento me corre a mente. Minhas lembranças de funerais, os poucos que pude entender, combinaram com esse tom. Chovia fino, abria um sol inconveniente mas o cinza voltava por cima de tudo. Como quem chora.
Quem chora de tristeza fica cinza, perde a cor dos olhos encharcados pelas lágrimas e o brilho da alma. O desespero pra mim é cinza. Você não tem como passar uma cor por cima, no máximo vira um borrão mais escuro.
Será que por isso estou me sentindo cinza hoje? Meu tempo parece estar morrendo. Ele passa sem mover-se. Acontece sem me surpreender.
Ou vai ver a notícia de meu avô no hospital me deixou acinzentado. É no mínimo chocante perceber que pessoas próximas podem estar próximas do fim. A quem diga que não é fim. Mas para quem fica é o fim da presença. E isso assusta. É a preocupação com quem fica.
Consigo ver alguns raios de sol. Não sei se fico feliz por isso. No momento estou com preguiça, uma preguiça cinza.

2 de out. de 2007

um perfume de outrora

Bateu uma saudade daquela grama molhada de orvalho. De acordar de manhã bem cedo, encontrar minha avó no fogão de lenha e biscoitos quentinhos em cima da mesa. E um a um todos iam se levantando.
Colocar aquele tênis velho e descer para o pasto com o copo cheio de Nescau. E pedir para o moço encher com o leite da vaca na hora. Eu nunca gostei de leite puro, tinha o gosto da vaca.
Depois sempre desbravávamos as estradas de terra nas caminhadas com a Suda. Que saudade daquela calma. Só ela sabia os nomes daquelas frutas estranhas espalhadas pelo caminho.
Eu, meu irmão e meus primos saíamos catando pedras “preciosas” e juntando na blusa. Às vezes pegávamos flores para fazer perfume. E fedia um tanto nossas misturas.
Eu sempre pegava flores para minha mãe ou para enfeitar a mesa do sítio. Meu irmão me imitava e eu ficava muito bravo. Que saudade de ficar bravo por motivos tão bobos e lindos.
Quando voltava para o sítio, o fogo da lenha já estava forte. Comidas e doces já estavam ali fervendo. E a gente levando xingo por estarmos próximos demais das labaredas.
Um dos sítios tinha horta de morangos. Como era difícil encontrar um vermelhinho ali. E a competição começava. Cada um dos quatro tentando se sair melhor e mostrar que encontrou o mais bonito morango da horta. E o tempo durava tanto que nem dava pra ver passar porque estávamos tão preocupados em inventar novas brincadeiras. As dentaduras de casca de mandioca era uma das minhas preferidas.
Os adultos rindo, começando a abrir as primeiras latinhas de cerveja. E pegávamos as latinhas vazias para encher de coca cola e brincar de adultos.
E sempre queríamos desbravar novas terras. Encontrar cantos em que pudéssemos fincar uma bandeira só nossa e lutar contra invasores. Naqueles tempos, bois e vacas soltos no pasto eram o nosso maior temor.
Tinha o riacho que diziam ter chistose. A gente não sabia o que era, mas pela seriedade deles, sabíamos que nem o dedão do pé podia entrar na água. Acho que era mentira, porque sempre tinha algum menino da região a banhar-se feliz da vida. Mas a gente morria de medo.
Voltávamos mortos de fome. Comidinha mais gostosa não existia. E tinha grapete e fanta laranja com pedaços de sei lá o que boiando no fundo da garrafa. Fazia cara de nojo.
E assim o dia ia passando. O feriado. As férias. À noite sempre fazíamos uma fogueira ou íamos para a beirada do fogão. As respectivas mães correndo atrás da gente para colocar mais um agasalho. “menino, sai de perto do fogo senão você vai fazer xixi na cama” – diziam todos eles. E riam. Eu tinha medo de fazer xixi na cama, afinal, era o segundo mais velho dos quatro. Mas não conseguia sair de perto dos estalos da madeira. Sempre gostei da vivacidade do fogo. Colocava de tudo ali pra queimar. Até folhas secas que faziam muita fumaça e estragavam o doce da minha avó.
De noite, camas e colchões espalhados por todos os lados. Aquela bagunça que a gente faz quando não está em casa. Era tanta bagunça que alguém sempre saía chorando por alguma brincadeira. Geralmente meu irmão, o mais novo de todos. E dormíamos. Eu olhando para o teto diferente do de casa. E ia sonhando em acordar logo para ver o perfume pronto. Para tomar leite com Nescau. E andar de chinelo na grama ainda molhada. Ela fazia uma cosquinha tão boa. Minhas preocupações eram apenas essas. Aliás, preocupações nada, desejos. Desejo de que aquilo tudo se repetisse todo ano. Todas as férias. Em qualquer fim de semana.
Era bom demais. Que saudade da cosquinha que a grama molhada de orvalho fazia em meu coração.